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Coliseu dos Recreios - 31/10/2007
publicado por Diogo Sequeira Estava uma bela noite. Bem digna de encerrar um mês tão belo como um Outubro. Estava também uma lua cheia, entre muitas outras coisas de que me pouco lembro, e nem me quis lembrar. Sei que havia uma rua estreita, de onde podemos todos ver a qualquer hora de qualquer mês, em qualquer estação lunar, um autêntico palácio, que em mim, já encerra vários episódios e sensos marginais, bem mais que os costumeiros. E ainda bem. Muita coisa já se passou lá. No Coliseu de Lisboa, como tal é chamado. Antes de mais quero enunciar que este artigo está a ser escrito ao som de Opeth, uma das melhores bandas de metal de sempre, e que vai ser fundamentalmente, sobre o "Outside And In", e o "Final Countdown" para aquele que foi dos melhores concertos que tive a oportunidade de presenciar, que corresponde intrinsecamente (depois já passamos com pormenor) a um dos melhores àlbuns que tive a oportunidade de ouvir ultimamente, batendo-se até com este "Blackwater Park". Sim, falaremos de Portugal, falaremos de Moonspell, falaremos de Arte. Mas Antes, como bom repórter que o Galáxia Música exige, seguem-se umas linhas sobre os espectáculos e as bandas que antecederam os cabeças de cartaz. Kalashnikov Começaram a tocar com meia hora de atraso. O álcool já secava em toda a gente. Entre as jocosas aparições de um caramelo qualquer a fazer justiça à banda ainda iam animando, até ao ponto climático em que finalmente toca a "Cavalgada das Valquírias" do grande Wagner, evocando toda uma aura carregada de mescla nacionalista e também de "Apocalypse Now", que preparou de melhor o terreno a quem se seguiu. Entra metade da banda dentro, para depois se completar a paródia com o que faltava (muito, sim), encarnado na figura e na voz do comediante Jel, de microfone na esquerda, e arma na outra. Ronda por aí que o Instrumental dos Kalashnikov é bom. Não concordo, e mergulho mais uma vez como partidário e como salvador do conceito de "bom". Ou por outras palavras, gosto dos padrõezinhos lá em cima, e estes tipos satisfazem, tendo feito muito bem, aquilo a que estavam destinados. Falam as guitarras monocórdicamente, numa mescla de investidas, ora à Punk, ora à Thrash Metallist. Grita o Jel pequenas odes à chacina e à guerra, que correspondem inteiramente em simplicidade animalesca e em superficialidade racional às emoções que pretendem provocar nos alvos. Tocam "Peace Is Dead", "Suicide Bomber", "Tiananmen, Tiananmen", "Warriors Of The Hezbollah", "One Love, One Family", "Kalashnikov", "Brothers In Africa", entre outros mimetismos. Acabam com os riffs de "Seek And Destroy" e "For Whom The Bell Tolls". Moshpit muito grande e muito animada, de duração contínua durante os cerca de 45 minutos em palco. Mais uns, mas uns bem excêntricos. Root Lá atrás ergueu-se uma faixa negra e gigante apenas com o logótipo da banda, para que depois o pequeno projector onde os Kalashnikov fizeram passar as suas letras, acompanhadas de imagens sangrentas e irracionais fosse eclipsado. Muito ilustrativo. Apesar de os ventos não lhes terem estado a favor, a banda checa saiu na minha opinião erguida. Dois belos argumentos: Em primeiro lugar, não apareceram bem enquadrados, pois o seu Black Metal épico apresenta-se de contraste total, essencialmente sob dois níveis com Kalashnikov. A seriedade (anti) religiosa contra a folia total dos apologistas da guerra, e a profundidade e erudição musical, contra uma injecção de adrenalina baseada num pouco savoir-faire bem característico. Em segundo lugar, o hermetismo musical e cultural de uma banda oriunda de um país e de uma zona muito própria, que aos olhos de portugueses, e antecedendo outros portugueses, por sua vez estudiosos de um perdido "potuguesismo", deu à partida ares de não funcionar muito bem. Big Boss Blackie, o vocalista, fundador da "Church of Satan" europeia (apesar de tudo, as temáticas são familiares) e companhia, deram um espectáculo muito bem equilibrado, a transpirar de tacto e de experiência com o mais diverso tipo de público, construindo uma gradação energética, que bem se fez sentir, num público inicialmente apreensivo. Notei que os Root são excelentes músicos, e que são um verdadeiro colectivo, com uma verdadeira linha expressiva característica, que volto a sublinhar, apesar de tudo, saíram bem. Muito respeito no ar perante uma fusão negra de um rol vasto de musicalidades e influências, desde o Death Americano, até à NWOBHM, fundidas com bases bem sólidas e bem conhecidas (basta consultar qualquer "dicionário do Black Metal"), o que não deixa de ser invulgar e surpreendente, ao mesmo tempo que justificável, tendo em conta a sua evolução praticamente autónoma enquanto banda seminal do estilo, juntamente com Bathory, Venom, Celtic Frost, e poucos outros. Moonspell Depois de mais algum tempo de espera, e do pânico geral instalado, porque ninguém conseguia ver a bateria, começou de forma hipnotizante, um dos poucos concertos que acredito que possam perdurar no tempo, e marcar a história da música nacional por alguns anos. Dividido em duas partes, uma em que tocaram integralmente o novo àlbum ("Under Satanae", um conjunto de re-interpretações e re-gravações dos temas da sua primeira carreira), e outra, uma revisitação mais ou menos anárquica pela sua frutífera carreira. A primeira parte foi de facto muito boa a todos os níveis. Musicalmente, está de facto muito bom, e eles estavam endiabrados. Do ponto de vista cénico, três ecrans, bailarinas, e um cajado com uma grande cabeça de cabra, por sinal, com uns grandes cornos, que mais que embelezando, completavam o espectáculo de forma muito inteligente e elegante. Depois, entre outros temas, construiram a segunda parte "Wolfshade", "Opium", "Alma Mater", "Mephisto", "Luna", "Finisterra", "Vampiria" e o término glorioso, "Full Moon Madness", que catapultou a sociedade habitante para a histeria geral. Vi e participei por ventura, no maior mosh da minha vida (ponta a outra da sala, hedbanggers), durante "Opium", que nas próprias palavras de Fernando Ribeiro, foi um fenómeno colectivo. Se até então respeitava os Moonspell, não os elegendo para a minha estrita preferência, as coisas alteraram-se, principalmente com todo o trabalho elaborado no "Under Satanae" e sua apresentação. Música íntegra. Arte sólida e fundamentada numa coerência admirável entre as temáticas e as formas comuns do estilo, e o além, que se entende como uma exploração harmónica entre a música e a evocação musical de tempos e culturas remotas, que presidem à nossa formação. Anti-Cristianismo, Anti-Liberalismo Artístico e, sublinho, Íntegro e Coerente, apresentado de forma evocativa, muito cénica, e muito simbólica, como é tradição na escola, no entanto, com demasiada identidade própria para compartilhar directamente do género. Sabemos que Moonspell é uma banda mal classificada, aceitando eu, depois disto, de braços abertos, o conceito de "Southern Black Metal". Cultura Celta, Muçulmana e Lusitana, nos Baphomets, nos Pentagramas, nas Mesquitas, nos Desertos, e, verdadeiramente estarrecedor, no mar e na costa, ao som de uma guitarra portuguesa ao nível de Carlos Paredes, em "Chorai Lusitânia" que foi para mim o momento da noite. Depois, foi "apenas" uma comunhão impressionante, motivada por uma performance impressionante. Pouco mais tenho a dizer, pouco mais tenho a contar, senão que, os 18 euros que paguei foram risíveis perante tanta qualidade, principalmente por parte dos Moonspell, que se bateram, na minha opinião, dentro do seu género, de mano a mano com a recente passagem por cá dos Dimmu Borgir, e continuam a bater-se, como das melhores bandas de metal extremo europeu, e consequentemente mundial. Escolha da Semana (Não é inócuo. Fica o aviso) Página Inicial
Ricardo Barbosa: Muito bom Diogo, fazes uma excelente descrição de tudo o que se passou num espectáculo ao qual adorava ter assistido. Mas ao ler o que escreves, parece mesmo que estive lá :D
Parabéns e continua ;) 04/11/07, 22:53 Lex: Tudo o que tenho lido sobre este espectáculo aponta para um mesmo sentido, sem excepção: sucesso absoluto, consagração da banda, concerto inesquecível. Também as opiniões relativamente a Root e Kalashnikov não se mostraram muito divergentes. Mas poucas dessas críticas tiveram tanto sentimento quanto esta. Não ter podido estar presente neste acontecimento único arrancou-me um pedaço do coração para a vida toda. Ainda bem que quem lá esteve soube aproveitar. Grande crónica. ;-) 04/11/07, 23:23 Orton's Legacy: Excelente análise! Adorei a forma cuidada como tentaste definir o estilo e o enquadramento dos Moonspell, assim como a descrição de uma noite que, de facto, ficará na memória por muitos e muitos anos! Só um pequeno reparo: A "Nocturna" não foi tocada... E sim, a mosh da Opium foi qualquer coisa de inarrável! Concerto BRILHANTE e crónica muito interessante! Os meus parabéns! 05/11/07, 02:01 Diogo Sequeira: Confundi-me, sim. Obrigado pela correcção e pelos feedbacks. 05/11/07, 22:51 |
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