... and Metal for All: Quando os mortos não têm nome
publicado por Lex

Não sou daquelas pessoas capazes de ouvir um álbum uma ou duas vezes e dizer logo se é bom ou mau. Também por isso não consigo tomar conhecimento da imensidão de álbuns que saem todos os anos. Tenho que ter um tempo de digestão e de reflexão de cada um - pelo menos nos casos que me merecem mais atenção, pois também há aqueles que de tão fracos nem conseguem que eu os ouça mais que um par de vezes.
Confesso que só conhecia esta banda de nome até há poucos meses, mas acho que não poderia ter tido uma apresentação melhor do que com este álbum, o seu mais recente. Por altura do balanço de 2007 já andava eu ainda a deixá-lo entranhar-se, mas ainda não o conhecia o suficiente para o poder classificar... Já sabia que era bom, mas sabia também que não era um 'bom' como tantos outros... Havia ali mais qualquer coisa, só me faltava descobrir o quê. Este tempo de lá para cá tirou-me qualquer réstia de dúvida que eu pudesse ter a seu respeito.
Falo-vos do último dos irlandeses Primordial: "To the Nameless Dead".


Digo-vos para começar que há já algum tempo que não dava de caras com um álbum tão arrebatador quanto este. Talvez desde o "Memorial" dos Moonspell... Em ambos confirmei a expressão de Fernando Pessoa: "primeiro estranha-se, depois entranha-se".
Houve um elemento que de início me causou especial estranheza: a voz. O timbre sofrido e rude de Alan Nemtheanga (um dos nomes mais castiços do Metal) incomodava-me e eu não entendia porquê. Pensava que era apenas do som... Mas enganei-me. A voz incomoda por causa do sentimento que tem por trás e que tão bem nos transmite. É a intensidade desse sentimento que é incómodo, não o timbre, e só ouvindo é que poderão compreender exactamente porquê.


Numa altura da sua (já longa) carreira de 21 anos em que se poderia esperar um decréscimo de qualidade, os Primordial surpreenderam com este trabalho, apresentando o que é (para mim, depois de ter ouvido o que fizeram para trás) o auge da sua criatividade e talento. O truque estará talvez em serem uma das bandas mais coerentes e apaixonadas que existem. Eles pouco ou nada mudaram na filosofia da banda ao longo do seu percurso e continuam a não ter fins lucrativos. O que quer isto dizer? Quer dizer que como não vivem da música, podem dar-se ao luxo de não a fazer por dinheiro (quantos se podem gabar do mesmo?) Ora, isso traz desde logo uma mais-valia a qualquer um dos seus trabalhos, porque os torna em trabalhos de paixão, sem suspeita de pressões monetárias ou contratuais. Basicamente, fazem o que lhes dá na gana.

"Não há lugar em Primordial para momentos alegres", terá dito uma vez o vocalista da banda. Disse também que para descomprimir já existem muitas bandas no Metal, com temas sobre dragões, fadas e elfos... Que a fantasia é necessária ao mundo, mas que a sua missão é deixar um legado consistente sobre algo relevante, sobre a História, sobre histórias e pessoas. Nem que para isso seja preciso cantar constantemente a dor, a traição e a morte. "You may look away/but your children will not". É preciso recordar, não deixar morrer a memória.

"To the Nameless Dead" é uma homenagem aos heróis anónimos dos quais não reza a História, mas que fizeram nações, tiveram as suas vitórias e lutaram toda a vida contra a tirania dos poderosos. Mas não se pense que, lá por serem irlandeses e por o tema ser épico, os Primordial se atiraram às gaitas de foles e aos violinos para criar melodias altamente folk e celtic, ao bom estilo da sua ilha. Nem pensar. O que aqui temos é Metal puro e duro para um bom headbang ou até para um mosh, para quem preferir. As influências folclóricas são muito ténues e chegam mesmo a confundir-se com o som característico e próprio da banda.
Musicalmente este trabalho tem riffs fabulosos... Simplesmente fabulosos. Comoventes, até. E sobretudo muito bem produzidos. A guitarra é a grande heroína em Primordial e é espantoso como ficamos agarrados a estes acordes e riffs... Como os refrões nos ficam presos na cabeça, como sentimos efectivamente a heroicidade de quem é louvado.
A voz vem num honroso 2º lugar, descomprometida, sem truques - e impiedosa, como eu comecei por dizer. Como a ouvimos é tal como saiu das cordas vocais de Nemtheanga para o microfone. Diz ele que não gosta cá de grandes retoques digitais e que se desafinar, desafinou. E eu acho que diz ele muito bem.


O início é suave. Uma guitarra que começa por se insinuar baixinho e se vai aproximando de nós. "Empire Falls" é das melhores malhas do álbum e não terá sido por acaso que foi escolhida para o abrir. É quase impossível uma pessoa ficar parada se se deixar embrenhar neste tema. Não imaginam o esforço que faço para me manter quase imóvel quando a ouço no mp3, no meio da rua.
"Gallows Hymn" vem a seguir, e corta-nos por dentro como uma faca nas mãos do condenado que nos fala.


"As Rome Burns" sucede-lhe num absoluto contraste: de um tema calmo e melancólico passamos a uma batida frenética, quase tribal. A letra, de uma poesia impiedosa, fala da queda da poderosa Roma às mãos da podridão do próprio povo, "wretched tribe of Nero". Grandiosa.
"Heathen Tribes" é uma homenagem à igualdade entre os homens, num tempo em que a religião era o poder mais forte. Os mais atentos às palavras reconhecerão num verso desta faixa um local de Portugal. Um local cheio de castelos, lendas e nevoeiro. O motivo eu não sei, mas que mencionam Sintra, lá isso mencionam.

Pelo meio há um instrumental que quebra um pouco o ritmo, mas que é bom para quem estiver com uma disposição mais contemplativa. E acaba por não ser muito grave, já que se lhe segue "Traitor's Gate", a terceira grande malha deste álbum, para mim.

Para encerrar, "No Nation on this Earth" fala-nos de como todas as nações do mundo foram erguidas sobre muito sangue, suor e lágrimas.

Perante um disco como este, só tenho duas coisas a fazer: agradecer-lhes por levarem a sua missão tão a peito e por nos legarem a nós, que muito provavelmente nunca teremos a exacta noção da importância daquilo que cantam, uma homenagem tão bela e sentida; e fazer de tudo por marcar presença em Setembro no festival Caos Emergente (em Recarei - Paredes) para os ver. Se isto em estúdio soa assim, ao vivo não deve ser nada inferior ao equivalente a... sei lá, estar-se cheio de fome e gelado no meio do nada, e encontrar-se um porco assado no espeto regadinho a molho picante. Podem substituir pela vossa própria ideia de algo mesmo muito bom.


Pass: galaxiamusica.blogspot.com

http://www.primordialweb.com/
http://www.myspace.com/fallentoruin

Escolha da semana:

Pearl Jam - "Even Flow". A música cujo video me apresentou o fenómeno do crowdsurf.



\m/

Etiquetas:




Página Inicial
Anonymous Anónimo: Grande banda, mas nem dei pelo facto de já terem 21 anos de estrada! :|

Preferia que fossem ao Lagoa como estava acordado, mas pronto. Tentarei ir também ao dia deles no Caos. Estes gajos merecem a viagem. 14/03/08, 01:12  

Blogger Covenant: LOL. Em cima enganei-me, usei a conta de uma amiga. 14/03/08, 01:27  

Blogger Talionis: Não sei se influenciado pelas tuas palavras, mas a voz cativou-me imediatamente. A sonoridade no geral é interessante, uma violência racional e uma melodia agradavelmente agressiva (que é exactamente o que tenho procurado nos últimos tempos); mas essa voz está bestial... parece genuína, pura.

Caos Emergente, lá estarei! 16/03/08, 23:46  

Blogger Lex: "Não sei se influenciado pelas tuas palavras, mas a voz cativou-me imediatamente."
Eu ia dizer que a mim ter-me-ia dado jeito ter começado a ouvir Primordial avisada dessa peculiaridade em antemão... mas nem por isso, na verdade. Não me fez muita mossa ter que aprender o porquê dessa voz à minha custa. :-P 17/03/08, 00:19  

2007-2009 Galáxia Musica. Template elaborado e idealizado por Skywriter