... und Laibach für Alle
publicado por Lex

É tempo para mais uma daquelas excepções ao Metal que já aqui tenho feito, quando a ocasião assim o exige. Quem tiver problemas com isso, que fale agora (ou se cale para sempre, etc, etc).

Os Laibach merecem que deixe o Metal de lado esta semana para falar deles, porque me proporcionaram uma da melhores experiências ao vivo dos últimos tempos. Esclarecendo rapidamente quem são estes tipos: banda eslovena que anda aí desde 1980, e que se insere numa corrente meio experimental, meio industrial. Para mais informações, o artigo da
Wikipedia serve muito bem, melhor do que eu poderia explicar. Só quero deixar desde já uma coisa clara, algo que já na semana passada disse a respeito desta banda mas que não é demais repetir, porque as rotulagens automáticas andam aí: os Laibach não são nazis nem advogam qualquer tipo de opção política.

Até ao passado dia 5, quando eu pensava em Laibach ao vivo imaginava-os a actuar em ambientes algo mais soturnos, mais na linha de uma cave decadente qualquer, ou mesmo alguma fábrica abandonada... ou então num Hard Club, local da sua última passagem por terras lusas (e que por alguma razão infame, eu perdi). Por isso, quando me disseram que os eslovenos viriam actuar a Braga, na sala que podem ver na foto, só me convenci quando vi o evento anunciado pelo próprio Theatro.
Entrei na sala e o luxo invadiu-me os olhos. De repente foi como se me tivessem empurrado para o séc.XIX e me preparasse para ver uma ópera qualquer. Toda aquela luz e cor não condiziam muito com o que o meu imaginário pessoal associava a Laibach... A luz, a cor... e as cadeiras fixas. Sobretudo não conseguia ver nada de bom no facto de termos que assistir a uma banda de industrial - portanto, música ao som da qual se dança, se mexe e se abana o capacete - sentados.
No entanto eu já tinha entrado ali para que me surpreendessem, e esse seria apenas mais um aspecto para ver que tal corria. A minha principal curiosidade naquela noite prendia-se com o conteúdo do concerto em si. Sabia que vinham apresentar o seu mais recente trabalho, "Volk", e isso inquietava-me. É que o "Volk" não é para todos os ouvidos, e até então não tinha sido para os meus. Apesar de eu adorar Laibach, foi coisa que não me caiu bem nem à primeira, nem à segunda, nem à décima audição. Trata-se de um álbum conceptual que toma por ponto de partida vários hinos nacionais e lhes dá uma reviravolta, de modo a neles inserir uma crítica socio-política. Quando peguei no álbum pela primeira vez já sabia disso, mas mesmo assim, mesmo compreendendo o seu objectivo, o som resultante era muito diferente daquele ao qual a banda me tinha habituado, muito mais lento e compenetrado. De modo que eu não fazia ideia do que esperar ao vivo. Tanto podia ser uma enorme seca como uma agradável surpresa.

À medida que se aproximava a hora de início do espectáculo, a sala ia ficando composta. Não terá ultrapassado metade da plateia, mas também não estava demasiado vazia. Um tipo com penteado inspirado no Eduardo Mãos de Tesoura ao lado de pessoal com blazers e pólos beiges; a malta 'do preto' junto com a malta 'do caqui'. Só para ter uma ideia da moldura humana... Heterogénea, mas igualmente cordata e todos bastante serenos. Só a faixa etária é que não fugia muito além dos 40, nem aquém dos 20.

Como álbum de hinos que é o "Volk"- e não contemplando uma versão do nosso - quando as luzes se apagaram a primeira coisa que se ouviu foi "A Portuguesa". Uma pequena homenagem que, suponho eu, repetem em cada país onde tocam e que cai que nem ginjas. Com um palco ainda negro e um compasso mais lento do que o normal, pareciam ter adivinhado que o povo português agradeceria ter mais tempo para se lembrar da letra do seu hino.

Finda a homenagem deu-se início ao espectáculo. O vocalista Milan Fras guardou a sua entrada para depois de já estarem todos os outros em palco, como habitualmente. Sem dirigir uma única palavra ao público durante todo o tempo, assumiu então o seu posto e cumprimentou-nos com uma vénia. Ver Milan Fras à minha frente, a escasso metros, foi algo de quase místico. Quem conhece e segue a banda sabe que a mera imagem deste homem tem o seu quê de intimidante, é quase uma lenda, e não se sabe se já alguém o viu actuar com outro visual. A ser verdade que nunca o mudou, Milan vem apostando no capacete da Legião Estrangeira e farda pseudo-militar há cerca de 20 anos. Haja carisma, que aguentar isso não é para todos.

A setlist seguiu a ordem do álbum religiosamente (com excepção de uma faixa). Cada tema foi acompanhado por um pequeno vídeo passado em fundo, alusivo a cada país interpretado, e servia para reforçar as críticas feitas nas letras das músicas. O som estava perfeito, talvez fruto do muito uso de sintetizadores e mesas de mistura, já que os únicos instrumentos ditos convencionais em palco eram a bateria, um teclado e um piano de cauda, quase escondido a um canto. A iluminação também esteve impecável, tornando-se parte essencial de toda aquela experiência Laibach'iana. Sem grandes efeitos excêntricos ou novidades, mas tremendamente eficaz e bela.
Os temas sucediam-se sem interrupções, tal como no "Volk". O nível de artificialidade envolvido no espectáculo ficou por esclarecer, no que me diz respeito. Tudo parecia demasiado programado e certinho, seguindo um percurso definido previamente até ao mínimo detalhe, sem lugar ao improviso ou ao imprevisto. Mas verdade seja dita: isso acabou por se tornar num factor positivo, uma vez aceite como parte integrante de Laibach ao vivo, e quando me apercebi da dimensão daquilo que me esperava naquele palco, mal de mim se me punha com esquisitices ao tentar saber o que era programado ou não. Os Laibach nunca foram conhecidos por serem uma banda de virtuosos instrumentistas, mas antes de virtuosos agitadores de mentes.

O vocalista foi quase sempre a figura central no palco. Sobre ele recaíam todas as atenções, já que os restantes músicos se mantinham como que camuflados por detrás dos seus instrumentos. A um lado, a mesa de mistura com os samples necessários à reprodução do Volk; do outro, o teclista; e ao fundo o baterista, para provar que nem só de batidas gravadas vive a música mais dançável, se assim se quiser. Só havia uma excepção em termos do protagonismo em palco: a cantora convidada, que não poucas vezes roubou o brilho a Milan Fras, consentidamente.
Jadranka Juras vem de uma área musical que aparentemente pouco tetia a ver com a de Laibach. Igualmente eslovena, é uma cantora pop conhecida no seu país, mas que veio abrilhantar a tour dos seus patrícios industriais. E para isso bastou-lhe um único tema: "Nippon", o hino do Japão.
Durante o resto do tempo ela tinha-se mantido atrás do seu sintetizador, fazendo a voz onde necessária. Já tínhamos dado conta que era dona de uma voz muito boa, mas o que nos esperava não era comparável ao que havíamos ouvido até então.
As luzes baixaram e ela dirigiu-se ao meio do palco, apenas com o microfone numa mão. Na tela de fundo, começam a chover caracteres japoneses, delicadamente, como flocos de neve. O piano entoa a música, igualmente delicada, que nos faz viajar ao tempo em que o Japão era assim... O Japão das gueishas, das amendoeiras floridas, da harmonia. Quando a voz de Jadranka se fez ouvir foi como se tivéssemos sido levados de volta à infância e estivéssemos a ser embalados num colo invisível. Não olhei para ninguém, mas creio que o sentimento de enfeitiçamento foi geral. Eu passei a música num constante arrepio até à ponta dos cabelos... outros houve que quase choraram. Foi a definição do 'belo' no seu sentido mais puro. Quando o tema acabou foi como se despertássemos de um transe hipnótico para um aplauso mais forte do que qualquer outro até ali. Completamente merecido. Gostaria de ter melhores palavras par descrever este momento como deve ser, mas não existem. Será daquelas coisas que só quem lá esteve é que perceberá plenamente. Se o espectáculo tivesse sido só a "Nippon", já daria por bem gasto cada cêntimo do bilhete. Como dei, aliás.

O som está mau, a imagem também... mas não resisto a deixar-vos aqui uma ínfima amostra do melhor momento do espectáculo. Não sei como alguém ainda teve lucidez para filmá-lo, mas ei-lo. Para mal dos meus pecados, a versão do álbum desta música não é cantada por Jadranka, nem sequer por uma mulher. Nunca mais a ouvirei do mesmo modo, e isso só tornou este momento ainda mais especial.

Depois disto, tudo soou ainda melhor. Estava conquistado o público e o "Volk" não era afinal o bicho de sete cabeças que a maioria pensava. Falo por mim: desde então ouço-o todos os dias, pois ganhou uma dimensão e um significado completamente novos.
Ao fim de pouco mais de uma hora acabava-se o "Volk", e o palco preparava-se para a segunda parte: as músicas antigas. Durante esse breve intervalo passava em fundo alguma propaganda ao NSK, a nação utópica e ideológica que os Laibach criaram - e da qual qualquer um podia ser cidadão, preenchendo para isso um formulário disponível na entrada.

Em seguida, entraram a matar sem dó nem piedade com o ritmo maquinal a que nos habituaram. Jadranka, a feiticeira, já não estava em palco, mas a presença feminina foi assegurada pelas meninas habituais, encarregadas da percussão e voz. A sua coreografia era de um rigor impressionante, e todo o conjunto funcionou como uma máquina bem oleada.


"Tanz mit Laibach" seguida de "Alle Gegen Alle". Duas bombas (e não me refiro necessariamente às meninas da percussão).

Era por esta altura eu esperava que alguém se começasse a levantar. Levantando-se uns, os outros iriam atrás e ninguém sairia a perder por ficar sentado, julgava eu... Julgava mal. Eu olhava para trás e ninguém se mexia. Era um público morto, aquele, fosse por que razão fosse: ou preguiça, ou impedimento por parte dos reponsáveis da sala... Notou-se na expressão do vocalista o desapontamento, mas nunca saberei se a banda estava ciente que ia actuar para uma sala de lugares sentados. Por outro lado, nunca imaginei que aquele público fosse tão... elitista, tão pseudo-erudito ao ponto de manter o rabo colado à cadeira como se estivesse a assistir a um qualquer recital de pífaro na Casa da Música. Se o "Volk" se viu relativamente bem sentado e a bater o ritmo com o pé, era preciso não esquecer no entanto que aquilo era Laibach, não era música para se ver sentado! A meio, meia dúzia de almas lá se conseguiram levantar e ir para os lados da plateia, onde não incomodassem ninguém, por já não aguentarem tanta inércia.
No final, todos ao palco para a vénia final, e só aí - menos mal - o público se levantou para uma longa ovação. O aplauso mais forte foi, sem surpresas, para Jadranka Juras. Se eu pudesse, tinha ido lá acima beijar-lhe o anel.


Saí do Theatro com um sorriso nos lábios e com a alma lavada. Uma passagem obrigatória pela banca do merchandise acrescentou mais uma camisola à minha colecção, e a troca de impressões com quem me acompanhava confirmou que a boa impressão sobre o espectáculo era geral. Insisto na palavra 'espectáculo' e não 'concerto', porque, como podem já ter concluído, não se tratou de um mero concerto. Foi muito mais do que isso, a muitos níveis.

Aguardo ansiosamente por nova passagem de Laibach por Portugal, cruzando os dedos para que da próxima vez a configuração da sala não funcione como uma jaula. Por mais bela que ela seja.
Voltem sempre, lá estarei.

Pass: galaxiamusica.blogspot.com

www.laibach.nsk.si

Escolha da semana:

Metal 'gó' no seu melhor - My Dying Bride, "To Remain Tombless".

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Blogger Talionis: Há expressões clichés que falam em temas "de levar às lágrimas", que "comovem profundamente"... ou que nos deixam sem fôlego.

Com a Nippon, tudo isso foi literal e não cliché. Fiquei literalmente sem fôlego, hipnotizado, estático, profundamente comovido e bem perto das lágrimas; não que o tema fosse triste ou deprimente, mas pela sua profunda beleza, o tal "belo puro" a que te referes.

Um sentimento que penso que terá o seu paralelo no clímax do "Perfume", do Süskind: quando a multidão viu o protagonista começou a chorar dada a sua beleza. Nesse caso física, no caso da Nippon, musical.

O concerto valeu pela sua globalidade, mas a Nippon foi, de longe, o momento mais belo que jamais presenciei num palco - e atrevo-me a dizer que jamais verei outro como esse. Não há palavras que o descrevam com justiça, por muito que tente dizer.

Sinto-me verdadeiramente privilegiado por ter presenciado na primeira fila esse momento. 18/04/08, 00:27  

Anonymous Anónimo: O blog deveria-se chamar Lex Blog e não galaxia musica... 23/04/08, 22:48  

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