... and Metal for All: 14º Mangualde HMF
publicado por Lex

Hoje apetece-me fazer uma review de algo que tenha visto nos últimos tempos.
Hesitei a decidir-me sobre o quê... Por um lado tinha o "Música no Coração", que é um musical com muita qualidade e interesse; por outro lado, tinha uma coisita que fui ver no passado fim de semana... Bom, como já toda a gente está careca de saber que no fim a Maria fica com o Von Trapp e mais um porradão de filhos, decidi-me pela 2ª opção. Espero ter acertado.


The hills are alive, la-ra-la-la-laaa...

Eu não gosto do dito underground só por ser underground. Para eu gostar, tenho que ver naquilo alguma virtude, qualidade, etc, etc. E por isso, a máxima "há que apoiar o underground!" é para mim coisa pouco consistente, só por si.
Mas este fim de semana resolvi, sim, ir apoiar o underground, mas principalmente passar um bom bocado num festival de Metal à moda antiga. Tinha saudades de algo mais 'pequeno' e por isso juntei uma boa companhia e, aproveitando o único dia de sol destas semanas, fizemo-nos à estrada, rumo à 14ª edição do Mangualde Hard Metal Fest, nessa bela cidade ao pé da Serra da Estrela - que neste último sábado estava especialmente fria devido a essa proximidade. Verdadeiramente frostbitten, como diriam os Immortal.

O local: Centro Cultural de Santo André. Nem na cidade de Mangualde fica, mas nos seus arredores... o que é bom para toda a gente, já que como o som se ouvia todo cá fora, não havia moradores para serem incomodados, enquanto que nós, pessoal citadino mais habituado ao fumo dos escapes do que a outra coisa, ali isolados no meio de um arvoredo no cimo de um monte, podíamos disfrutar de algum ar puro.
Pelas quatro e meia da tarde - meia hora depois do início das hostilidades - ainda havia muita gente a chegar. Aliás, eu gostava de saber, só mesmo por mera curiosidade, quantos dos presentes seriam do concelho.

À entrada, uma camioneta de excursão e vários carros já estacionados, alguns com as malas abastecidas de comida para quem não confiou na presença anunciada do Carlos dos Cachorros.

A moldura humana era a esperada para este tipo de ocasião: negro, negro, negro... Coletes de ganga forrados a patches, shirts de bandas, correntes e pulseiras de picos. Cabelos compridos lembrando que os metaleiros ainda são o que eram, e uma significativa percentagem de público feminino a marcar também presença, desde a facção mais goth devidamente apetrechada com maquilhagem negra, corpetes e saias com veludos e rendas, até à mais metaleira (sim, porque as há), munida apenas de botas de biqueira de aço, uma calça simples e uma camisola da sua banda favorita.

O alinhamento do festival começou com os Before the Rain, banda que eu já tinha visto ao vivo aquando do Festival Marés Negras, em Setembro último no Coliseu do Porto. Porque nessa altura me maçaram de morte, e porque quando chegámos a Mangualde já a actuação ia a meio e eu não gosto de interromper ninguém, esperei cá fora, aproveitando para contemplar a bela paisagem serrana que tinha à minha frente.

Mal o som terminou, fomos buscar as nossas pulseiras e aventurámo-nos no reconhecimento do recinto. Esperava-nos um pavilhão revestido a azulejo azul e branco até 1 metro do chão, e cujo palco era emoldurado por cortinados cor de rosa. Perfeito. :-D Havia bastantes bancas de merchandise e de CD's a preço de ocasião (ou quase, pois Ava Inferi a 17€ não é bem aquilo a que eu chamo 'ocasião'), e um recanto destinado ao vício do álcool, que a meio da noite já estava rodeado de uma valente poça de cerveja. Nota positiva para a estratégia da organização relativamente ao sempre cobiçado néctar: ter Sagres Chopp como única opção foi bom para mim que saciei a sede o quanto quis sem perder a lucidez, e bom para as vendas. Só foi pena ter sido Sagres e as máquinas estarem todas maradas, mas não se pode ter tudo.

Ainda a luz do dia se via para lá dos postigos no fundo do palco (que podiam ter sido tapados para a ocasião, já agora) e já os portuenses WEB se preparavam para tocar. Ora, mesmo tocando numa altura ingrata, de dia, com o recinto meio cheio e com os que lá estavam ainda a dormir na forma, devo dizer que esta banda me surpreendeu pela positiva, demonstrando profissionalismo e boa postura em palco. Tecnicamente irrepreensíveis, não se deixaram esmorecer pelo pouco público e debitaram ali grandes malhas, que cumpriram muito bem o seu papel de aquecimento.

Após 40 minutos de actuação e mais uns 15 de soundcheck, entra em palco a banda seguinte: os Pitch Black. Vinha de longe a minha curiosidade em vê-los ao vivo... Ouvia grandes coisas sobre esta formação mas nunca tinha podido confirmar pessoalmente. Pois não me desiludiram. Com uma sala já mais composta, a thrashalhada foi potente e contagiante. Não olhei muito em volta, mas pareceu-me que já ninguém conseguia ficar parado. Só o moshpit é que não se desenvolvia, apesar dos incentivos da banda. Donos de uma execução excelente e de uma boa setlist, Pitch Black são um nome a reter para futuras pesquisas.

As bandas sucediam-se a bom ritmo, sem grandes compassos de espera. Seguiu-se um nome de cuja música eu só conhecia umas amostras ouvidas no MySpace: os espanhóis Angelus Apatrida. Sabia que practicavam um thrash old-school, e bastou-me isso para decidir que não iria querer perder a sua actuação. Com alguns fans da sua terra natal a apoiarem-nos logo na primeira fila, acabaram por se sair melhores que a encomenda, demonstrando no palco grande competência enquanto músicos, e deixando no ar um travo forte a 'colagem' aos Metallica do "Kill 'em All" e a uma profunda admiração por Dave Mustaine, desde a estrutura dos acordes até aos modelos de guitarra usados. Pois se para muitos essa' colagem' foi uma desvantagem, a mim soube-me pela vida! Especialmente no último tema, uma cover que desfez quaisquer dúvidas quanto às influências destes hermanos: "Metal Militia" dos Metallica. Foi algo de fabuloso ter podido ouvir isto ao vivo e bem tocado. Voltem sempre!

Sem perder tempo, entram os portugueses Desire, fazedores exímios de Doom Metal. Tão exímios que eu decidi fazer da sua actuação o momento do meu jantar - algum teria que ser, e o porco assado no espeto estava a gastar-se. Acho que é oficial: doom não é o meu campo.
Lá fora, o Carlos dos Cachorros e ajudantes não tinham mãos a medir. Muitos foram os que aproveitaram a quebra no ritmo dentro do pavilhão para forrar o estômago, e o porquinho ali a girar no espeto convidava todos a aproximarem-se. Não houve frio que resistisse ao molho picante, e com a alma já aconchegada regressei ao recinto para me reabastecer de algo que se pudesse beber, pelo que ainda fui a tempo de apanhar as duas últimas músicas, uma das quais tem em estúdio a duração de 10 minutos - ali não sei quantos teve, mas chegou para confirmar que não pretendo voltar a ver Desire ao vivo. Não vou afirmar que são maus pois é tudo uma questão de gostos... Aposto que qualquer uma das meninas de corpetes, rendas e veludos negros que se chegaram à frente exclusivamente para os ver (tendo ficado na retaguarda na totalidade dos outros concertos) me faria sofrer de forma horrível se eu dissesse que eles são maus. Nem me atrevo a tal.

Next: Decadence. Não fazia ideia do que esperar destes suecos, fui para lá completamente às cegas, pelo que quando vi entrar uma menina alta, magra e loira para a posição de vocalista, colei-me ao palco e não descansei enquanto não soube o que ia sair dali. Tanto podia dar para uma lamechice pegada como para uns guturais à Gossow. Deu para uns guturais, não exactamente à Gossow, mas nas redondezas. A miúda ainda é nova, tem muito tempo para se aperfeiçoar - bem como o resto da banda, ainda são relativamente novos nestas lides. Entretanto a vocalista Metallic Kitty vai enfeitiçando o público (masculino, principalmente) com uma cabeleira de cerca de metro e meio de comprimento, que ondula como se pode ver na foto.
O som de Decadence é um thrash Metal a atirar para o melódico, mas ao vivo pouco se conseguiu discernir. Pessoalmente fixei-me mais nos guturais da rapariga... Como é que de uma miúda tão magrinha pode sair tanta fúria?!

Com uma setlist encurtada por problemas técnicos e - digo eu - pela agitação de um cromo do público que insistia em subir para o palco, tendo inclusive estragado um pouco da actuação de Decadence com as suas palhaçadas, os suecos deram lugar aos belgas Leng Tch'e. Primeiro vocalista careca da noite.
Se o som já começava a ficar pior durante Decadence, em Leng Tch'e estragou-se ainda mais. Ao pé do palco ainda se distinguiam alguma voz e alguma guitarra do resto dos instrumentos, mas já era custoso. Ainda assim consegui aguentar bem o metalcore que debitavam, apesar de não fazer muito o meu género - dá-me sempre a sensação que misturas a mais destroem um pouco a identidade de uma banda... não se consegue distinguir nada de firme ali no meio, e isso a mim não me cativa. Mas a sua energia em palco conseguiu finalmente passar para o público, que abriu o primeiro moshpit da noite, e acabámos por ficar agarrados ao espectáculo. Não me desagradou, mas não posso dizer que tenha ficado cliente.

Após cerca de uma hora de concerto, abria-se espaço para a banda que levou muita gente a Mangualde naquele dia: os finlandeses Impaled Nazarene. O segundo vocalista careca da noite. Não percebo como é que com um soundcheck (aparentemente) tão cuidado o som pôde falhar tanto. Estava de tal modo sofrível que a dada altura já não era música mas somente barulho - e olhem que para eu dizer isto... imaginem. A voz deixou pura e simplesmente de se ouvir e as guitarras... era como se não estivessem lá a fazer nada. Portanto fui ter com o meu amigo Impaled Pig, que ainda rodava lá fora no espeto, já quase só osso. Foi pena, porque até tinha conseguido um lugarzinho empoleirado ao pé do palco, protegido do moshpit... Mas há ocasiões em que não vale a pena o esforço, e esta foi uma delas.

Para finalizar, os míticos Mata-Ratos. Terceiro vocalista careca da noite. :-) Só tive pena de uma coisa: de o cansaço já ser demasiado para me deixar embrenhar no espectáculo devidamente. Mais de oito horas ali em pé a curtir de (quase) todo o tipo de Metal fizeram-se sentir finalmente e eu já não aguentei até ao fim, até porque ainda tinha a A25 pela frente. Mas do que ainda vi, deve ter sido o concerto com maior adesão de todos. Suponho que um clássico como Mata Ratos tenha sempre público garantido. Ali não foi preciso o vocalista pedir um moshpit - ele abriu-se naturalmente, como se o pessoal tivesse estado a guardar-se para eles o dia todo. Não deixa de ser curioso que num festival de Metal tenha sido uma banda de punk a obter o maior sucesso...

Do lado de fora do pavilhão o céu não podia estar mais estrelado, nem a noite mais fria. Alguns carros por ali estacionados tinham já os vidros embaciados e as brasas arrefeciam debaixo espeto, finalmente, enquanto um cão feliz levava os ossos para casa. Para trás ficava uma tarde e noite bem passadas, entre uma camaradagem que, me parece, já só existe nestes eventos de menor dimensão, onde parece que toda a gente se conhece há anos e toda a gente se fala na boa, desenrasca o próximo, onde se pára o moshpit quando se encontra uma carteira perdida no chão e não se retoma até se encontrar o dono, se levanta o companheiro de moshada quando ele cai, se pede desculpa a toda a gente por se ter subido ao palco durante uma actuação (aproveitando para explicar metade da sua vida, de caminho), onde os elementos das bandas que estiveram em palco vêm cá para baixo ver a actuação das outras bandas a seguir, e comem na mesma roulotte que o resto do público, sem vedetismos... É um pouco como dizem os Manowar, de facto:

Let us drink to the power, drink to the sound
Thunder and metal are shaking the ground
Drink to your brothers who are never to fall
Were all brothers of metal here in the hall
Our hearts are filled with metal and masters we have none
And we will die for metal, metal heals, my son

É também por isso que gosto do Metal.
Porque nesteas ocasiões recupero alguma da inocência que vou perdendo ao envelhecer, e volto a sentir que o gajo ali ao lado, que não conheço de lado nenhum, não só não me quer estripar e roubar como o que passa por mim na rua no dia-a-dia, como se calhar até me oferece uma cerveja para brindarmos juntos a qualquer coisa. Há camaradagem. Uma irmandade, se quiserem.


Uma nota final de parabéns à organização deste festival. Levar isto adiante por 14 edições não deve ser fácil, e garantir ainda assim as boas condições que se viram, tanto de espaço como de segurança, ainda menos. Até com o cumprimento da lei do tabaco tiveram que se preocupar - e com sucesso, pois pela primeira vez na minha vida cheguei a casa depois de um concerto e não precisei pendurar as minhas roupas no quintal por não se poder com o cheiro.

Um enorme bem-haja também ao Sr. Carlos e companhia, que nos saciaram a fome com uns cachorros, hamburgueres e sandes de porco no espeto que eram uma categoria. E mais uma palavra de apreço ao próprio porco no espeto, que para além de nos dar a sua carne, nos deu também o calor do lume que o assou lentamente por várias horas, para nos aquecermos quais sem-abrigos em noite gélida, quando vínhamos cá fora fosse para saciar o vício da nicotina ou para aliviar os tímpanos, quando o som já não se aguentava após tantas horas de exposição aos decibéis. Estas pequenas coisas ficam-nos na memória, curiosamente.


Venham mais.

http://www.myspace.com/hardmetalfest

Before the Rain
WEB
Pitch Black
Angelus Apatrida
Desire
Decadence
Leng Tch'e
Impaled Nazarene
Mata Ratos


Escolha da semana:
Muitas covers foram feitas desta música... Eis a original, para quem não conheça.



\m/

P.S.: digam lá se em algum outro blog podem ver "Música no Coração" e Metal no mesmo post... Não é para qualquer um!

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Blogger Fátima Inácio Gomes: Maravilhosa review, como sempre!!!!
Quase que vivi tudo de novo! Gostos à parte :D coinseguiste passar aquilo que verdadeiramente interessa no meio disto tudo... o espírito do Metal! A sua verdadeira essência: festa! 18/01/08, 10:16  

Blogger Sea B. A.K.A. Timba: ainda na li tudo mas desde já uma cena. Leng Tch'e é Grind e não Metalcore 18/01/08, 19:28  

Blogger Lex: Pedro, nem vou contrariar isso. A minha vontade até foi escrever "[whatever]core", porque para mim os 'cores' são todos muito semelhantes. :D Escolhi um prefixo que me parecesse mais abrangente... Foi ao lado, paciência. :-P
Rótulos para mim são um castigo, especialmente quando o meu objectivo para a crónica é algo mais na onda daquilo que ali a Fátima disse: realçar o ambiente. 18/01/08, 20:42  

Blogger Talionis: É isso. Sem tirar nem pôr. Os acontecimentos, e sobretudo, os sentimentos vividos. Tens que começar a ir a pelo menos um concerto/evento por semana e transformar este espaço (ou criar um novo) apenas em reviews destes momentos, porque de facto transportas o leitor para o local, fazendo-o viver (ou reviver) o que aconteceu. 19/01/08, 01:09  

Blogger Lex: "Tens que começar a ir a pelo menos um concerto/evento por semana"
Óptima ideia. Aceitam-se financiamentos. Ouvi dizer que lá mais para o Verão vai haver uns festivais porreirinhos em Lagoa, França e Alemanha... :-] Quem quiser o meu NIB, é só dizer. 22/01/08, 09:12  

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